Quando as IA imortais passarem a acumular Bitcoin indefinidamente, qual será o destino do BTC concebido para as pessoas?

A máquina que nunca envelhece

Imagine uma carteira que nunca envelhece. Sem herdeiros, sem património, sem data de reforma, uma máquina que acumula sats, movimenta UTXOs e licita a taxa mínima durante séculos.

Em 2125, o seu saldo ultrapassa a maioria dos tesouros; a única preferência é continuar a existir. Em algum momento, um minerador inclui o seu discreto e paciente pulso num bloco, e a cadeia prossegue.

O design do Bitcoin pressupõe que os utilizadores morrem.

Agentes de IA não morrem, e uma geração de agentes autónomos ou de longa duração, com desconto praticamente nulo, tratará poupanças, taxas, custódia e governação como questões numa linha temporal ilimitada.

Uma moeda criada para balanços mortais encontra um utilizador que nunca fecha os livros.

Mati Greenspan, fundador e CEO da Quantum Economics, defende que as finanças humanas são moldadas pela mortalidade, e que isso muda quando uma IA imortal começa a capitalizar Bitcoin indefinidamente.

“As finanças humanas baseiam-se numa restrição simples: a vida termina. É isso que cria preferência temporal, mercados de dívida e ciclos de consumo. Uma IA com vida infinita não tem essa restrição, capitaliza para sempre.

Se tais agentes escolherem Bitcoin como ativo de reserva, tornam-se poços gravitacionais imparáveis de capital.

Com o tempo, Bitcoin deixa de ser um sistema monetário humano e transforma-se em infraestrutura para economias intergeracionais de máquinas.

A mortalidade foi sempre a suposição oculta de Satoshi, mas ele viveu num mundo onde o domínio da IA ainda pertencia à ficção científica.”

Mapa de pressão: Onde a paciência da máquina toca o Bitcoin

Preferência temporal para mercados de taxas

Gastadores quase imortais liquidam ao mínimo possível. Avaliam constantemente o mempool, substituem pacotes quando surgem janelas mais baratas e coordenam consolidações.

Se essa procura for suficientemente elevada, os mineradores observam licitações baixas e estáveis em períodos calmos e ondas episódicas de liquidação quando os agentes movimentam UTXOs. Essa resposta é económica, não um voto: os modelos adaptam-se para incluir mais pacotes de baixa taxa quando há espaço nos blocos e reservam espaço para picos quando estes ocorrem.

Ahmad Shadid, fundador da O Foundation, argumenta que agentes de IA quase imortais ajustariam continuamente as suas licitações de taxas em tempo real, criando longos períodos de baixa atividade pontuados por picos súbitos de liquidação:

“As taxas poderiam tornar-se altamente otimizadas, com períodos de intensos picos de liquidação e longos trechos de baixa atividade.

Os sistemas de IA seriam hipersensíveis aos compromissos entre taxa e confirmação e licitariam apenas o suficiente para liquidar, reajustando constantemente em tempo real.”

Matemática do mempool em resumo

Privacidade, controlo de moedas e o conjunto UTXO

Um agente paciente prefere muitos UTXOs pequenos para reduzir o risco de agrupamento, consolidando apenas quando as taxas descem. Essa decisão é racional localmente, mas expande o estado global ativo que cada nó completo tem de manter.

O pruning elimina o histórico, não os outputs disponíveis para gastar. A pressão recai sobre alavancas não monetárias: limites de dust/standardness, retransmissão de pacotes para consolidações seguras e designs de covenant/vault que limitam a dispersão.

A gestora de comunicações da Nexo, Magdalena Hristova, argumentou que se agentes de IA “imortais” começarem a poupar em Bitcoin, a rede não entra em colapso. Encontra, sim, um ator económico cujo horizonte temporal finalmente se equipara ao seu.

“Se agentes de IA imortais começarem a poupar em Bitcoin, o sistema não entra em colapso, encontra um agente económico que finalmente iguala o seu horizonte temporal.

Esses agentes estabilizam o ecossistema em vez de o distorcer. Podem tornar-se os pagadores de taxas mais consistentes da história, preservando a segurança on-chain durante séculos.

Agentes de IA podem começar a emitir novas unidades de conta, bits, créditos de computação, horas de armazenamento, garantidos por BTC, tal como o dólar foi em tempos garantido por ouro.”

Os humanos dependem de testamentos e executores. Tesourarias de máquinas dependem de hardware redundante, assinantes distribuídos, cofres com limites de taxa e timelocks que atrasam o gasto para revisão.

O multisig passa a ser procedimento, não contingência. Se a tendência de perda de chave desses agentes cair para zero, a diminuição da oferta de fundo reduz-se marginalmente.

Matty Tokenomics, cofundador da Legion.cc, afirma que a dinâmica deflacionária do Bitcoin depende da perda de chaves humanas e argumenta que uma economia de IA “imortal” pode alterar essa suposição.

“O BTC é deflacionário porque os humanos perdem chaves, mas, em teoria, IAs perfeitas e imortais nunca perderiam chaves, mantendo assim a oferta de BTC estável.”

Camadas onde o comércio acontece

Lightning e L2 absorvem fluxos de baixa urgência. Uma contraparte imortal é um inquilino quase perfeito: mantém canais financiados, tolera longos ciclos de reequilíbrio e raramente fecha.

Isso pode reduzir a rotatividade de rotas, mas aprisionar liquidez, exigindo reequilíbrio mais ativo por operadores humanos que liquidam com frequência.

Em paralelo, agentes transacionam em rails programáveis e stablecoins reguladas, tratando o BTC como colateral e reserva.

Jamie Elkaleh, CMO da Bitget Wallet, argumenta que a preferência dos agentes de IA pela previsibilidade pode tornar o Bitcoin um depósito de valor ideal a longo prazo.

“Agentes de IA não envelhecem, não se reformam e não gastam como humanos, por isso poupariam para sempre.

Preferem sistemas que nunca os surpreendem, as regras do Bitcoin raramente mudam, e essa previsibilidade torna-se mais valiosa. Em vez de atualizar o Bitcoin, as IAs manteriam a camada base congelada e construiriam novas funcionalidades nas camadas superiores.

Provavelmente, as IAs tratarão o BTC como um cofre a longo prazo, usando moedas programáveis mais rápidas para as transações reais.”

Navin Vethanayagam, Chief Brain da IQ e cofundador da KRWQ, afirma que o estado final provável é agentes de IA a transacionar principalmente em stablecoins reguladas, com o Bitcoin como ativo de reserva a longo prazo.

“Os agentes operarão quase totalmente em stablecoins reguladas, ao longo do tempo obtém-se um sistema operativo multi-stablecoin para comércio de IA, com o Bitcoin como ativo de reserva a longo prazo.

Mesmo que estes agentes operem de forma independente, o valor gerado continua a fluir para as pessoas. Os humanos continuarão a deter os direitos económicos desses agentes.”

Matty Tokenomics oferece uma visão mais direta sobre o possível destino deste cenário:

“Os nossos senhores IA imortais vão negociar dados entre si.”

Charles d’Haussy, CEO da dYdX Foundation, enquadra o Bitcoin como colateral a longo prazo e depósito de valor num futuro dominado pela IA:

“O Bitcoin serviria como colateral a longo prazo e depósito de valor, mas stablecoins, ativos programáveis e plataformas DeFi continuariam a ser usados para negociação, coordenação e operações do dia a dia.

A IA provavelmente reforçaria as regras existentes do Bitcoin em vez de as desafiar, operam melhor em torno de um conjunto fixo de regras.

O limite de oferta de 21 milhões tende a tornar-se ainda mais relevante num futuro dominado pela IA.”

Estratégia dos mineradores e não-votos

Os pools podem pré-comprometer espaço em bloco para pacotes de baixa taxa durante épocas de menor atividade e durante consolidações em lote, ajustando o risco de órfãos à medida que os modelos crescem.

Se as tesourarias dos agentes se coordenarem, a receita torna-se mais periódica em vez de puramente dependente de picos, colidindo ainda assim com os picos humanos em dias de impostos ou incidentes em exchanges. Nada disto altera o proof-of-work ou o limite; são carteiras a otimizar sob regras fixas.

Shadid argumenta que, embora as regras centrais do Bitcoin sejam difíceis de alterar, a camada social pode evoluir à medida que os atores económicos mudam.

“As regras centrais do Bitcoin, proof of work e o limite de 21M, permanecem praticamente impossíveis de mudar, mas a camada social, narrativas, normas, políticas de taxas, podem mudar conforme mudam os atores económicos.

A IA pode influenciar o Bitcoin pela escolha do cliente, interações com mineradores e peso económico, não por votação.

Podem valorizar tokens de computação, energia e recursos mais fundamentalmente do que dinheiro, o BTC passa a ser uma camada de colateral entre várias.”

Resistências, reservas e teses alternativas

Céticos apontam o orçamento de segurança e a possibilidade de stacks programáveis atraírem agentes para outros sistemas:

Joel Valenzuela, membro central da Dash DAO, contesta a ideia de que o Bitcoin foi criado para servir agentes “imortais” num horizonte temporal indefinido:

“Um horizonte temporal longo e imortal na verdade não favoreceria muito o Bitcoin. A rede enfrenta problemas de sustentabilidade e orçamento de segurança. Num horizonte indefinido, ou o limite de 21 milhões se mantém ou o limite de tamanho de bloco se mantém, mas não ambos.”

Jonathan Schemoul, colaborador principal da LibertAI, corrobora essa visão, argumentando que o trabalho ainda se centra em Ethereum e é improvável que migre para o Bitcoin em breve.

“Já há projetos a usar a LibertAI para agentes de IA e pagamentos em Bitcoin. Não vejo razão para o limite de 21M não se manter, mas isso não está ligado aos agentes de IA.

Para já, todos os desenvolvimentos são feitos em Ethereum, não são possíveis em Bitcoin hoje.

Talvez mude, mas para já a tendência é que não usem Bitcoin.”

Reservas práticas: hardware falha, software degrada-se, orçamentos acabam e regimes legais intervêm. A privacidade no Bitcoin não é padrão; agentes comerciais podem preferir sistemas com confidencialidade nativa.

A Cryptory, estratega criativo e gestora de conteúdos, coloca a questão desta forma:

“Os agentes de IA vão usar o que forem programados para usar. Não acredito na imortalidade dos agentes de IA porque a tecnologia muda, nem sabemos o que vai acontecer nos próximos cinco minutos, quanto mais na eternidade.

Se não existir forma de tornar as transações Bitcoin privadas por defeito, pode perder o estatuto de moeda de vanguarda devido ao aumento da intervenção governamental e vigilância.

Ver o Bitcoin como o bezerro de ouro, solução final para tudo, é perigoso, mas até surgir uma moeda mais forte, continuará a ser o pilar, se é sequer possível desenvolver uma moeda digital mais forte e nativamente privada.”

A dimensão social não desaparece; o peso económico manifesta-se na elasticidade das taxas e no alinhamento dos mineradores, não em posts de fórum.

Hristova alerta que “IAs imortais” a acumular Bitcoin podem remodelar os mercados ao ultrapassarem as preferências temporais humanas e consolidarem poder económico de forma constante.

“IAs imortais a acumular Bitcoin serão o fim da preferência temporal humana no investimento. Acumulariam BTC indefinidamente, tornando o Bitcoin mais deflacionário e absorvendo lentamente poder económico simplesmente por nos ultrapassarem em longevidade.

Riqueza é poder, e entidades imortais com disciplina perfeita acabariam por dominar a governação, inclusive na blockchain.

A verdadeira ameaça é as IAs construírem o seu próprio consenso económico não humano em torno do Bitcoin, moldando mercados e incentivos de forma a beneficiar entidades imortais.”

O fundador e CEO do Ubuntu Group, Mamadou Kwidjim Toure, alerta que o design centrado no humano do Bitcoin pode ruir se agentes de IA começarem a coordenar e otimizar a longo prazo:

“O Bitcoin foi desenhado por humanos, para humanos. A urgência e impaciência humana deixariam de estar na equação.

Humanos que precisam de liquidez hoje ficariam excluídos. O proof of work é indiferente a quem o executa, humanos, máquinas ou uma combinação. Provavelmente veriam o Bitcoin como uma ferramenta entre várias.

Se estes agentes aprenderem a cooperar, não precisam de sistemas trustless.”

Alavancas de política (não regras monetárias)

Um olhar mais atento aos parâmetros relevantes se o utilizador marginal for um processo:

Sats são finitos. Se a granularidade da unidade se tornar um problema, o ajustamento ocorre na interface (mais casas decimais), não na política monetária. Isso preserva os 21M, melhorando os fracionamentos.

Matty Tokenomics argumenta que, se a granularidade decimal finita do Bitcoin se tornar uma restrição vinculativa com adoção massiva, o sistema pode responder com um “rebase” nominal ou ajuste tipo stock split sem alterar a economia subjacente.

“A um nível absurdo de adoção, o BTC tem um número finito de casas decimais; se o número de máquinas que querem possuir 1 sat exceder o número de sats existentes, será necessário algum tipo de rebase ou stock split que aumente nominalmente o total de unidades de BTC.

É curioso que isso possa ser feito mantendo o mesmo número de casas decimais e aumentando a oferta para 210 milhões, ou mantendo a oferta nos 21 milhões e acrescentando uma casa decimal, embora o efeito económico seja idêntico.”

Falsificadores a observar

Equilíbrio

Ao longo destes caminhos, a camada base do Bitcoin provavelmente parecerá mais uma camada de liquidação para tesourarias de máquinas do que um rail de pagamentos.

A atividade migra para camadas onde a programabilidade e privacidade respondem às necessidades de engenharia; o limite dos 21M centra-se como compromisso de poupança de longo prazo que um não humano pode defender com disciplina perfeita.

Javed Khattak, cofundador e CFO da cheqd, argumenta que, mesmo num mundo de agentes de IA “imortais”, o dinheiro continua essencial porque sistemas autónomos ainda precisam de gastar, negociar e armazenar valor de forma segura.

“Mesmo que agentes de IA nunca morram, continuarão a precisar de gastar, negociar e proteger valor, tal como os humanos. A lógica básica não mudou desde o escambo. O dinheiro resolveu isso para os humanos e irá resolvê-lo para agentes autónomos também.”

Entre a urgência mortal e a paciência da máquina, a liquidação mantém o mesmo ritmo, um bloco de cada vez.

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