Esta entrevista foi gravada na recente Cimeira de Fundadores da A16Z, moderada por Anthony Albanese, CEO da A16Z Crypto, com a convidada Abigail Johnson, Presidente e CEO da Fidelity Investments. A conversa centrou-se em tópicos-chave como Bitcoin e mineração nos primórdios, custódia de criptoativos, stablecoins, modelos inovadores de investimento, bem como o dilema “construir internamente vs adquirir”.
No que muitos designam como o “ano zero da adoção institucional”, este diálogo mostra como as finanças tradicionais estão a reposicionar-se e a abraçar os criptoativos a partir de uma perspetiva totalmente nova, tornando-se assim especialmente representativo.
Anthony: Bom dia a todos. É um enorme prazer ter hoje connosco a CEO da Fidelity Investments — Sra. Abigail Johnson. Abby, bem-vinda.
Abby: Obrigada a todos. Ouvi dizer que muitos estavam ansiosos por esta conversa, por isso é ótimo finalmente estarmos juntos.
Anthony: Vamos direto ao assunto. Sabes, venho das finanças tradicionais. Antes de entrar na A16Z, trabalhei na Bolsa de Nova Iorque. Sei muito bem quão difícil era para uma grande instituição financeira entrar no mundo das criptomoedas. Mas tu fizeste com que a Fidelity desse esse passo há uma década.
Porque o fizeste? E como conseguiste?
Abby: Na verdade, tudo começou por “curiosidade” e “aprendizagem”. A Fidelity sempre teve uma cultura de aprendizagem e, quando ouvimos falar de Bitcoin pela primeira vez, tal como muitos, só tínhamos uma pergunta: o que é isto? Como funciona? Será real?
Em 2012, 2013, havia poucas pessoas a dar respostas. Comecei, juntamente com alguns colegas, a reunir-nos regularmente para discutir e investigar. Com o tempo, percebemos que havia de facto algo real e importante a acontecer.
Começámos a fazer brainstorming sobre o possível impacto do Bitcoin no negócio, identificando até 52 cenários de aplicação. Mais tarde, distribuímos estes projetos pelas várias equipas da empresa para validação e apenas um caminho se revelou verdadeiramente viável — mas era suficientemente relevante.
Alguém sugeriu que o Bitcoin tinha criado muita nova riqueza e que essa gente precisava de uma forma de usar os criptoativos para doações de caridade. Como a Fidelity tem o seu próprio fundo de doações, tornámo-nos uma das primeiras instituições a aceitar doações em Bitcoin. Nenhuma outra grande instituição o fazia na altura. Isso deu-nos reputação no ecossistema cripto e fez com que mais pessoas conhecessem a Fidelity.
Ao mesmo tempo, sempre insisti que, para entrar neste campo, era preciso começar pela base — como a mineração. Fizemos a análise e parecia um bom negócio. Prova disso: quem começou a minerar em 2013 obteve mesmo retornos excelentes (risos). Quando propus gastar 200 mil dólares em Antminers, houve quem tentasse travar, mas acabou por ser um dos nossos investimentos mais rentáveis.
E assim começou a nossa história.
Anthony: O que aconteceu depois? Quando é que começaram a oferecer serviços de trading aos clientes?
Abby: Continuámos a explorar esses cenários, mesmo sabendo que a maioria não se realizou, mas ajudaram-nos a aprender e a experimentar.
O primeiro negócio virado para o cliente que realmente vingou foi — a custódia.
Para ser honesta, surpreendeu-me. A custódia é das atividades mais antigas das finanças tradicionais e até parece contrária ao “espírito cripto”. Mas havia uma procura enorme por parte de consultores e clientes. Muitos dos primeiros detentores queriam planear o futuro: se lhes acontecesse algo, como é que a família herdaria os ativos? Isso só é possível confiando numa entidade de custódia.
Foi assim que entrámos no negócio da custódia. Sendo uma instituição que valoriza imenso a segurança, desenvolvemos uma estrutura muito rígida de cibersegurança e segurança física, o que reforçou ainda mais a nossa credibilidade no mundo cripto.
Com estas competências de base amadurecidas, as atividades cripto estão hoje espalhadas por vários departamentos da Fidelity: a custódia existe lado a lado com o negócio tradicional de corretagem; a gestão de ativos digitais impulsiona ETPs cripto; equipas de incubação e laboratórios exploram novas tecnologias cripto; projetos inovadores estão disseminados por toda a empresa. Esta inovação distribuída permite-nos manter a liderança.
Anthony: Referiste há pouco o “Genius Act”, um marco importante na política cripto deste ano. Andámos anos a lutar pela clareza regulatória e demos, finalmente, um grande passo. Qual é o impacto disto para a Fidelity e os seus clientes?
Abby: No ambiente regulatório anterior, o setor cripto praticamente não recebia atenção. Muitos viam-no apenas como uma tecnologia estranha e excêntrica. Quando íamos a Washington, sentíamos aquele olhar de “o que estás a dizer?”, ou não percebiam ou não gostavam, mas, na maioria das vezes, simplesmente não compreendiam.
À medida que a voz do cripto crescia sem que a compreensão a acompanhasse, a rejeição aumentava. Quando o cripto continuou a expandir-se, surgiram reações “imunitárias negativas”. Algumas regras regulatórias, já desatualizadas, foram aplicadas ao cripto ao contrário. Estas regras não eram adequadas, mas ainda assim criaram um ambiente hostil.
Para uma empresa madura como a nossa, temos o negócio central e uma responsabilidade de longo prazo para com os clientes. Apesar disso, recebíamos constantemente perguntas: “Quando é que a Fidelity vai investir em cripto? Quero participar, mas os meus ativos estão convosco. Prefiro investir através da Fidelity do que abrir conta noutro lado.”
Chegámos a contabilizar quantos clientes ligavam só por causa do cripto. E o mais surpreendente é que muitos colegas da empresa também se voluntariaram: “Quero participar nisto.” Este entusiasmo espontâneo foi muito motivador.
Criámos então uma pequena equipa interna — só com voluntários — dispostos a envolver-se em tudo o que girava em torno do Bitcoin. Começámos a construir competências base, mantendo o negócio principal, mas atentos à evolução regulatória. Só que a regulação não melhorou; em certos momentos ficou até mais hostil.
Por isso, agora que a política começa finalmente a clarear e a “apanhar o comboio”, estamos particularmente entusiasmados.
Anthony: Gostei muito do vosso relatório sobre stablecoins. Com a aprovação do “Genius Act”, nunca se falou tanto de stablecoins como agora. Onde vês o verdadeiro potencial das stablecoins? Porque é que, de repente, todos falam delas?
Abby: O meu primeiro contacto com stablecoins foi há alguns anos — já não sei precisar. Achei que eram quase o oposto da lógica da custódia, até duvidei se fariam sentido.
Mas ao perceber que a Fidelity tem uma vantagem natural em “fazer pontes entre ativos”, entusiasmei-me. Se mais pessoas inteligentes se juntarem a nós nesta direção, melhor ainda.
Durante muito tempo lutámos pelo direito de pagar juros sobre stablecoins. Isso gerou debates intensos internamente, porque desafia a lógica do nosso negócio. Sempre quisemos criar retorno para os investidores: seja valorização do capital, seja juros. Se ficássemos com o dinheiro dos clientes sem dar retorno, seria contra os valores da Fidelity.
Por isso, insistimos nos juros até ao fim. Mas, honestamente, se continuássemos, o projeto teria ficado bloqueado. Tive de intervir e, apesar da decepção, percebi que era preciso ceder.
O importante é que avançámos. Então pensámos: “Haverá uma alternativa?” Não queríamos ficar por aí.
Acho que encontrámos a solução: lançámos fundos do mercado monetário tokenizados on-chain, com rendimentos idênticos aos nossos fundos tradicionais, que são líderes no setor. Esta solução foi desenhada, desde o início, para competir no ecossistema das stablecoins.
A ideia é simples: o dinheiro pode ficar no fundo tokenizado a render, e quando necessário, passa-se num clique para stablecoins. É uma combinação excelente.
O processo não seguiu o caminho ideal que imaginei de início, mas esta evolução é muito entusiasmante.
Anthony: No sector bancário, o cripto sempre foi polémico. Mas admiro a vossa abordagem. Ontem publicámos o nosso novo “Estado das Criptomoedas”, um relatório anual. Uma das conclusões é que 2025 será o ano em que os criptoativos terão verdadeira adoção institucional.
No último ano, encontrámo-nos com muitas grandes instituições, incluindo a Fidelity. Ouvimos sempre a mesma questão: muitos querem entrar no cripto, mas hesitam entre “construir internamente ou comprar”, ou seja, desenvolver tecnologia própria ou adquirir capacidades externas?
Abby: É um tema que debatemos muito internamente. Às vezes é construir vs comprar, outras é comprar vs colaborar. Em comparação com outras grandes instituições financeiras, preferimos construir, mas nenhuma empresa faz tudo sozinha.
O segredo é identificar as capacidades estratégicas que te diferenciam e garantir que as controlas a longo prazo.
É isso que dita a sobrevivência a longo prazo.
Anthony: Temos aqui muitos empreendedores que gostariam de trabalhar com a Fidelity. Que conselho lhes darias?
Abby: Temos aqui na sala alguns dos nossos colegas.
Antes de mais, gostamos de ouvir ideias e estamos abertos a receber-vos na Fidelity. Temos internamente um “clube de entusiastas tecnológicos” (BITS Club) com 4.500 membros. Fazemos muitos eventos para promover o diálogo, e temos participantes tanto do sector cripto como de todas as áreas da Fidelity.
Realizamos fóruns de gestão sénior, convidamos parceiros externos para partilhar novidades e, em cada área de negócio, há muitos encontros técnicos e de produto.
Por isso, a resposta depende do contexto, mas de facto colaboramos com muitas equipas. A essência do cripto é a colaboração aberta, cada um contribui e liga-se aos outros.
Queremos manter este diálogo aberto. Não temos regras rígidas de colaboração, somos muito flexíveis.
Anthony: Como líder, presidente e CEO há quase dez anos, qual foi o maior ensinamento de liderança que tiveste?
Abby: Aprendi muito. O principal é manter a curiosidade e nunca parar de aprender. Se deixasse de aprender, não seria capaz de cumprir o meu papel.
Na gestão e cultura organizacional, é um processo contínuo e iterativo. Implementei uma política de “mobilidade interna obrigatória”, fazendo com que as pessoas mudem de funções periodicamente e não fiquem fixas no mesmo lugar.
Isto é muito valioso. Dá várias perspetivas, evita visões únicas.
Investimos também muito tempo a construir uma cultura de trazer “más notícias” rapidamente. Costumo dizer: “Se só me trazem boas notícias, não tenho nada para fazer.” Para realmente implementar esta cultura, é preciso muito esforço.
Anthony: Olhando para trás, há algo que gostasses de ter sabido logo no início?
Abby: Demasiadas coisas. A principal: confiar na intuição. Todos temos uma voz interior que nos trouxe até aqui. É preciso ouvi-la e segui-la.
Agora passamos à sessão de perguntas e respostas. Temos muitos participantes entusiastas, por isso peço que sejam breves. Olá a todos.
Sessão de Perguntas e Respostas
Participante: Olá, sou Abby Banks, ex-IDE0. Em 2015 fundaste o laboratório colaborativo de criptomoedas da IDEO, e a Fidelity criou a sua equipa na mesma altura. Obrigada pelo teu contributo ao sector nesta década.
Ontem falou-se muito de como o “mecanismo Genius” pode impulsionar as stablecoins e a adoção institucional, e também do próximo Market Structure Act. Se esse diploma for aprovado este ano ou no próximo, que novos capítulos se abrem? E olhando para o futuro, qual a tua perspetiva?
Abby: A nossa equipa tem seguido atentamente o Market Structure Act. Honestamente, cada atualização muda quase tudo. Digo sempre aos colegas: “Talvez não precise de ser atualizada tão frequentemente, avisem-me quando houver decisões finais.”
Gostava que discutíssemos em profundidade antes da assinatura do acordo, mas ainda há questões-chave por resolver. Estou numa fase de “espera”, mas temos uma equipa a acompanhar de perto. Se ainda não contactaram os interlocutores certos, tenho a certeza que vão fazê-lo.
Participante: Obrigado por tudo. No mundo cripto nativo, há quem diga que todo o sistema financeiro será reconstruído com novas bases. No lado tradicional, há quem diga “isso nunca vai acontecer”. Outros defendem um caminho intermédio: as finanças tradicionais vão adotar e integrar estas tecnologias. Qual achas que será o caminho?
Abby: Hoje podemos excluir “não vai acontecer”, porque já está a acontecer. Há dez anos, quando estudámos aqueles 52 cenários, eu própria acreditava mais na primeira hipótese: estas tecnologias substituiriam muitos processos complexos do sistema atual.
Se olharmos para a realidade, a banca tradicional é, sobretudo, uma teia de sistemas de reconciliação. Macro, é assustador. Ninguém teria desenhado o sistema como está hoje; é o resultado de décadas de camadas tecnológicas, cada uma baseada nas limitações da sua época, com uma interligação que mantém todos presos ao nível tecnológico mais baixo.
É um desafio existencial para o sector. As grandes instituições querem modernizar infraestruturas, mas o setor é “democrático” e as pequenas não conseguem acompanhar. Por isso, a questão não é “se vai acontecer”, mas “como vai evoluir”.
O caminho será de compromisso, passo a passo, forçado pela concorrência e pelos reguladores.
A nível interno, focamo-nos nos projetos que nos permitem experimentar formas novas e criar oportunidades que antes não existiam.
Anthony: De facto, o setor financeiro tem enorme inércia, precisamente por ser tão interligado.
Participante: Obrigado pela partilha e pelo vosso papel desde 2013 em dar legitimidade ao setor. Quando estava no MIT, muitos achavam-me louco por estudar cripto. Só quando a Fidelity foi ao nosso seminário é que perceberam “ok, isto é a sério”.
A minha pergunta é sobre o Bitcoin. Assististe ao surgimento de várias classes de ativos e ajudaste a desenvolver muitos produtos financeiros. Que papel terá o Bitcoin daqui para a frente? Não falo do preço, mas do seu papel no vosso portefólio de ativos.
Abby: Não sei se é por ter entrado cedo, ou por estar a ficar mais “old school”, mas gosto mesmo do Bitcoin. Não tenho muitos criptoativos, mas o Bitcoin é o que mantenho sempre.
Acho que o Bitcoin continuará a ser importante no património de muitas pessoas. É o “padrão-ouro” do cripto — existe há muito, é estável, sobreviveu a muitos ciclos e é um sistema resiliente.
A longo prazo, sinto-me muito confortável com o Bitcoin. Será sempre um ativo central na nossa oferta. Espero que possamos facilitar o seu acesso e uso. Apesar do design brilhante do Bitcoin, se tivesse havido mais contributo de user experience, talvez mais gente tivesse aderido mais cedo e facilmente.
Participante: O meu primeiro ordenado de estágio foi na IDEO CoLab, por isso isto é especial para mim. Obrigado. Como CEO, tens de equilibrar apostas arriscadas com a gestão quotidiana. Como é que, perante resistência interna, manténs a convicção num novo rumo?
Abby: Ótima pergunta. Como referi, promovemos a rotação e mistura de equipas para garantir várias perspetivas e crenças. Isso gera naturalmente muitos debates internos, o que considero saudável.
Claro que há uma linha ténue entre debate saudável e “guerras religiosas”. O cripto já motivou reações primitivas e emocionais, quase como guerras religiosas. Vimos líderes financeiros tradicionais oporem-se de forma imatura, mas ruidosa, ao cripto.
Nesses períodos, achei que era preciso paciência e resiliência. O ruído passa, e muita da oposição resulta de não compreenderem, mas verem a tendência a ganhar força, o que os frustra. O objetivo é evitar escalar conflitos e ajudar as equipas a adaptar-se gradualmente.
Incluindo as nossas experiências com Bitcoin e outros projetos cripto.
Estruturalmente, temos o nosso laboratório de I&D — fundado pelo meu pai há décadas — e mais tarde implementei uma incubadora interna, criando um “espaço seguro” para experimentar, falhar, até para falhar de propósito.
Costumo dizer à equipa: se todos os projetos do laboratório forem bem-sucedidos, é porque não corremos riscos suficientes; precisamos de falhar rápido em alguns, senão não estamos a arriscar o suficiente.
Quando estas estruturas se tornam institucionais, dão “permissão” às pessoas para fazer o que nem todos aprovam — e é aí que está o segredo da inovação.
Anthony: Muito interessante, é como no capital de risco. Se todos os investimentos resultarem, é porque não arriscámos o suficiente. Excelente abordagem. Mais perguntas?
Participante: Se no futuro ativos digitais e tradicionais se fundirem, qual é a tua visão para essa “zona de interseção”? O que é que as finanças tradicionais vão trazer para os ativos digitais? E o que vão aprender com eles?
Abby: Em resumo, ambos aprendem.
O que mais me entusiasma é o que vamos criar de novo, não simplesmente “refazer o que já fazemos mudando a tecnologia de base”.
Mas não é simples. Se partirmos do princípio de que o setor vive uma deflação estrutural de longo prazo, todas as tecnologias vão acabar por ter de mudar.
Há alguns anos começámos a migrar os negócios para a cloud. Levou anos a encontrar formas fiáveis e seguras. Felizmente, começámos por áreas de menor risco e aprendemos muito.
Foi uma grande mudança estrutural e ainda decorre.
Portanto, pode perguntar-se: surgirá uma capacidade que permita à blockchain substituir a gigantesca e complexa “rede de reconciliação” do sistema financeiro?
Sim, essa tendência é visível. A questão é: qual o percurso de migração? E a velocidade? Só podemos ir observando e sentindo o seu rumo.
O que fazemos agora é construir tecnologias com maior probabilidade de adoção a curto prazo, mantendo uma visão de longo prazo.
Surpreende-me estarmos mais perto do “estágio de ponte” — pontos claros de ligação entre o novo e o antigo.
Por exemplo, stablecoins e fundos de mercado monetário tokenizados. Precisas de stablecoins para aceder ao DeFi, mas para ganhar juros, precisas de um produto digital do mundo tradicional.
Gostava de dar uma resposta mais “científica”, mas é uma questão complexa. Todos temos de pensar e atuar em simultâneo. De certa forma, somos causa e consequência.
Participante: Referiste duas vezes a “deflação estrutural de longo prazo”, que entendo como a tecnologia a baixar custos em tudo. Mas de fora, parece que diferentes instituições financeiras reagem de forma muito distinta à inovação. O que determina se uma instituição adota ou não uma tecnologia como o cripto?
Abby: Excelente pergunta. A resposta resulta da combinação de dois fatores: o horizonte temporal e a disposição para assumir algum risco.
Não risco regulatório, mas o chamado risco reputacional.
Nos “anos mais polémicos”, discutimos muitas vezes na Fidelity: “Que risco reputacional corremos ao entrar nisto?” Mesmo que a nossa atividade fosse mínima.
Por exemplo, quando aceitámos doações em Bitcoin no fundo de caridade, eram sobretudo de pessoas que tinham enriquecido com Bitcoin. Para mim, parecia um pouco louco; para muitos, era “intocável”.
Por isso, depende muito do fator humano. Vocês aqui são criativos e abertos ao risco, mas nas grandes empresas, sobretudo em finanças, esse perfil não é o “solo natural”.
Claro, há investidores — gestores de portefólios, hedge funds — que gostam de risco, mas sempre dentro de um quadro definido. E garanto que raramente pensam nos detalhes técnicos das infraestruturas que lhes permitem operar.
Acho que é isso que distingue a Fidelity: damos enorme importância à compreensão das tecnologias que sustentam o nosso negócio.
Aprendemos que quanto mais tecnologia desenvolvemos, ajustamos ou adaptamos às nossas necessidades, maior é a vantagem competitiva — especialmente sustentável. Assim, conseguimos manter a tecnologia atualizada e fazer as alterações que queremos.
E isto não é a mentalidade habitual na banca tradicional.
Anthony: Muito bem, Abby, esta conversa foi brilhante. Obrigado por vires conversar connosco, foi mesmo interessante.
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Quais foram as decisões relacionadas com criptomoedas tomadas pelo CEO da Fidelity nos últimos dez anos?
Esta entrevista foi gravada na recente Cimeira de Fundadores da A16Z, moderada por Anthony Albanese, CEO da A16Z Crypto, com a convidada Abigail Johnson, Presidente e CEO da Fidelity Investments. A conversa centrou-se em tópicos-chave como Bitcoin e mineração nos primórdios, custódia de criptoativos, stablecoins, modelos inovadores de investimento, bem como o dilema “construir internamente vs adquirir”.
No que muitos designam como o “ano zero da adoção institucional”, este diálogo mostra como as finanças tradicionais estão a reposicionar-se e a abraçar os criptoativos a partir de uma perspetiva totalmente nova, tornando-se assim especialmente representativo.
Anthony: Bom dia a todos. É um enorme prazer ter hoje connosco a CEO da Fidelity Investments — Sra. Abigail Johnson. Abby, bem-vinda.
Abby: Obrigada a todos. Ouvi dizer que muitos estavam ansiosos por esta conversa, por isso é ótimo finalmente estarmos juntos.
Anthony: Vamos direto ao assunto. Sabes, venho das finanças tradicionais. Antes de entrar na A16Z, trabalhei na Bolsa de Nova Iorque. Sei muito bem quão difícil era para uma grande instituição financeira entrar no mundo das criptomoedas. Mas tu fizeste com que a Fidelity desse esse passo há uma década.
Porque o fizeste? E como conseguiste?
Abby: Na verdade, tudo começou por “curiosidade” e “aprendizagem”. A Fidelity sempre teve uma cultura de aprendizagem e, quando ouvimos falar de Bitcoin pela primeira vez, tal como muitos, só tínhamos uma pergunta: o que é isto? Como funciona? Será real?
Em 2012, 2013, havia poucas pessoas a dar respostas. Comecei, juntamente com alguns colegas, a reunir-nos regularmente para discutir e investigar. Com o tempo, percebemos que havia de facto algo real e importante a acontecer.
Começámos a fazer brainstorming sobre o possível impacto do Bitcoin no negócio, identificando até 52 cenários de aplicação. Mais tarde, distribuímos estes projetos pelas várias equipas da empresa para validação e apenas um caminho se revelou verdadeiramente viável — mas era suficientemente relevante.
Alguém sugeriu que o Bitcoin tinha criado muita nova riqueza e que essa gente precisava de uma forma de usar os criptoativos para doações de caridade. Como a Fidelity tem o seu próprio fundo de doações, tornámo-nos uma das primeiras instituições a aceitar doações em Bitcoin. Nenhuma outra grande instituição o fazia na altura. Isso deu-nos reputação no ecossistema cripto e fez com que mais pessoas conhecessem a Fidelity.
Ao mesmo tempo, sempre insisti que, para entrar neste campo, era preciso começar pela base — como a mineração. Fizemos a análise e parecia um bom negócio. Prova disso: quem começou a minerar em 2013 obteve mesmo retornos excelentes (risos). Quando propus gastar 200 mil dólares em Antminers, houve quem tentasse travar, mas acabou por ser um dos nossos investimentos mais rentáveis.
E assim começou a nossa história.
Anthony: O que aconteceu depois? Quando é que começaram a oferecer serviços de trading aos clientes?
Abby: Continuámos a explorar esses cenários, mesmo sabendo que a maioria não se realizou, mas ajudaram-nos a aprender e a experimentar.
O primeiro negócio virado para o cliente que realmente vingou foi — a custódia.
Para ser honesta, surpreendeu-me. A custódia é das atividades mais antigas das finanças tradicionais e até parece contrária ao “espírito cripto”. Mas havia uma procura enorme por parte de consultores e clientes. Muitos dos primeiros detentores queriam planear o futuro: se lhes acontecesse algo, como é que a família herdaria os ativos? Isso só é possível confiando numa entidade de custódia.
Foi assim que entrámos no negócio da custódia. Sendo uma instituição que valoriza imenso a segurança, desenvolvemos uma estrutura muito rígida de cibersegurança e segurança física, o que reforçou ainda mais a nossa credibilidade no mundo cripto.
Com estas competências de base amadurecidas, as atividades cripto estão hoje espalhadas por vários departamentos da Fidelity: a custódia existe lado a lado com o negócio tradicional de corretagem; a gestão de ativos digitais impulsiona ETPs cripto; equipas de incubação e laboratórios exploram novas tecnologias cripto; projetos inovadores estão disseminados por toda a empresa. Esta inovação distribuída permite-nos manter a liderança.
Anthony: Referiste há pouco o “Genius Act”, um marco importante na política cripto deste ano. Andámos anos a lutar pela clareza regulatória e demos, finalmente, um grande passo. Qual é o impacto disto para a Fidelity e os seus clientes?
Abby: No ambiente regulatório anterior, o setor cripto praticamente não recebia atenção. Muitos viam-no apenas como uma tecnologia estranha e excêntrica. Quando íamos a Washington, sentíamos aquele olhar de “o que estás a dizer?”, ou não percebiam ou não gostavam, mas, na maioria das vezes, simplesmente não compreendiam.
À medida que a voz do cripto crescia sem que a compreensão a acompanhasse, a rejeição aumentava. Quando o cripto continuou a expandir-se, surgiram reações “imunitárias negativas”. Algumas regras regulatórias, já desatualizadas, foram aplicadas ao cripto ao contrário. Estas regras não eram adequadas, mas ainda assim criaram um ambiente hostil.
Para uma empresa madura como a nossa, temos o negócio central e uma responsabilidade de longo prazo para com os clientes. Apesar disso, recebíamos constantemente perguntas: “Quando é que a Fidelity vai investir em cripto? Quero participar, mas os meus ativos estão convosco. Prefiro investir através da Fidelity do que abrir conta noutro lado.”
Chegámos a contabilizar quantos clientes ligavam só por causa do cripto. E o mais surpreendente é que muitos colegas da empresa também se voluntariaram: “Quero participar nisto.” Este entusiasmo espontâneo foi muito motivador.
Criámos então uma pequena equipa interna — só com voluntários — dispostos a envolver-se em tudo o que girava em torno do Bitcoin. Começámos a construir competências base, mantendo o negócio principal, mas atentos à evolução regulatória. Só que a regulação não melhorou; em certos momentos ficou até mais hostil.
Por isso, agora que a política começa finalmente a clarear e a “apanhar o comboio”, estamos particularmente entusiasmados.
Anthony: Gostei muito do vosso relatório sobre stablecoins. Com a aprovação do “Genius Act”, nunca se falou tanto de stablecoins como agora. Onde vês o verdadeiro potencial das stablecoins? Porque é que, de repente, todos falam delas?
Abby: O meu primeiro contacto com stablecoins foi há alguns anos — já não sei precisar. Achei que eram quase o oposto da lógica da custódia, até duvidei se fariam sentido.
Mas ao perceber que a Fidelity tem uma vantagem natural em “fazer pontes entre ativos”, entusiasmei-me. Se mais pessoas inteligentes se juntarem a nós nesta direção, melhor ainda.
Durante muito tempo lutámos pelo direito de pagar juros sobre stablecoins. Isso gerou debates intensos internamente, porque desafia a lógica do nosso negócio. Sempre quisemos criar retorno para os investidores: seja valorização do capital, seja juros. Se ficássemos com o dinheiro dos clientes sem dar retorno, seria contra os valores da Fidelity.
Por isso, insistimos nos juros até ao fim. Mas, honestamente, se continuássemos, o projeto teria ficado bloqueado. Tive de intervir e, apesar da decepção, percebi que era preciso ceder.
O importante é que avançámos. Então pensámos: “Haverá uma alternativa?” Não queríamos ficar por aí.
Acho que encontrámos a solução: lançámos fundos do mercado monetário tokenizados on-chain, com rendimentos idênticos aos nossos fundos tradicionais, que são líderes no setor. Esta solução foi desenhada, desde o início, para competir no ecossistema das stablecoins.
A ideia é simples: o dinheiro pode ficar no fundo tokenizado a render, e quando necessário, passa-se num clique para stablecoins. É uma combinação excelente.
O processo não seguiu o caminho ideal que imaginei de início, mas esta evolução é muito entusiasmante.
Anthony: No sector bancário, o cripto sempre foi polémico. Mas admiro a vossa abordagem. Ontem publicámos o nosso novo “Estado das Criptomoedas”, um relatório anual. Uma das conclusões é que 2025 será o ano em que os criptoativos terão verdadeira adoção institucional.
No último ano, encontrámo-nos com muitas grandes instituições, incluindo a Fidelity. Ouvimos sempre a mesma questão: muitos querem entrar no cripto, mas hesitam entre “construir internamente ou comprar”, ou seja, desenvolver tecnologia própria ou adquirir capacidades externas?
Abby: É um tema que debatemos muito internamente. Às vezes é construir vs comprar, outras é comprar vs colaborar. Em comparação com outras grandes instituições financeiras, preferimos construir, mas nenhuma empresa faz tudo sozinha.
O segredo é identificar as capacidades estratégicas que te diferenciam e garantir que as controlas a longo prazo.
É isso que dita a sobrevivência a longo prazo.
Anthony: Temos aqui muitos empreendedores que gostariam de trabalhar com a Fidelity. Que conselho lhes darias?
Abby: Temos aqui na sala alguns dos nossos colegas.
Antes de mais, gostamos de ouvir ideias e estamos abertos a receber-vos na Fidelity. Temos internamente um “clube de entusiastas tecnológicos” (BITS Club) com 4.500 membros. Fazemos muitos eventos para promover o diálogo, e temos participantes tanto do sector cripto como de todas as áreas da Fidelity.
Realizamos fóruns de gestão sénior, convidamos parceiros externos para partilhar novidades e, em cada área de negócio, há muitos encontros técnicos e de produto.
Por isso, a resposta depende do contexto, mas de facto colaboramos com muitas equipas. A essência do cripto é a colaboração aberta, cada um contribui e liga-se aos outros.
Queremos manter este diálogo aberto. Não temos regras rígidas de colaboração, somos muito flexíveis.
Anthony: Como líder, presidente e CEO há quase dez anos, qual foi o maior ensinamento de liderança que tiveste?
Abby: Aprendi muito. O principal é manter a curiosidade e nunca parar de aprender. Se deixasse de aprender, não seria capaz de cumprir o meu papel.
Na gestão e cultura organizacional, é um processo contínuo e iterativo. Implementei uma política de “mobilidade interna obrigatória”, fazendo com que as pessoas mudem de funções periodicamente e não fiquem fixas no mesmo lugar.
Isto é muito valioso. Dá várias perspetivas, evita visões únicas.
Investimos também muito tempo a construir uma cultura de trazer “más notícias” rapidamente. Costumo dizer: “Se só me trazem boas notícias, não tenho nada para fazer.” Para realmente implementar esta cultura, é preciso muito esforço.
Anthony: Olhando para trás, há algo que gostasses de ter sabido logo no início?
Abby: Demasiadas coisas. A principal: confiar na intuição. Todos temos uma voz interior que nos trouxe até aqui. É preciso ouvi-la e segui-la.
Agora passamos à sessão de perguntas e respostas. Temos muitos participantes entusiastas, por isso peço que sejam breves. Olá a todos.
Sessão de Perguntas e Respostas
Participante: Olá, sou Abby Banks, ex-IDE0. Em 2015 fundaste o laboratório colaborativo de criptomoedas da IDEO, e a Fidelity criou a sua equipa na mesma altura. Obrigada pelo teu contributo ao sector nesta década.
Ontem falou-se muito de como o “mecanismo Genius” pode impulsionar as stablecoins e a adoção institucional, e também do próximo Market Structure Act. Se esse diploma for aprovado este ano ou no próximo, que novos capítulos se abrem? E olhando para o futuro, qual a tua perspetiva?
Abby: A nossa equipa tem seguido atentamente o Market Structure Act. Honestamente, cada atualização muda quase tudo. Digo sempre aos colegas: “Talvez não precise de ser atualizada tão frequentemente, avisem-me quando houver decisões finais.”
Gostava que discutíssemos em profundidade antes da assinatura do acordo, mas ainda há questões-chave por resolver. Estou numa fase de “espera”, mas temos uma equipa a acompanhar de perto. Se ainda não contactaram os interlocutores certos, tenho a certeza que vão fazê-lo.
Participante: Obrigado por tudo. No mundo cripto nativo, há quem diga que todo o sistema financeiro será reconstruído com novas bases. No lado tradicional, há quem diga “isso nunca vai acontecer”. Outros defendem um caminho intermédio: as finanças tradicionais vão adotar e integrar estas tecnologias. Qual achas que será o caminho?
Abby: Hoje podemos excluir “não vai acontecer”, porque já está a acontecer. Há dez anos, quando estudámos aqueles 52 cenários, eu própria acreditava mais na primeira hipótese: estas tecnologias substituiriam muitos processos complexos do sistema atual.
Se olharmos para a realidade, a banca tradicional é, sobretudo, uma teia de sistemas de reconciliação. Macro, é assustador. Ninguém teria desenhado o sistema como está hoje; é o resultado de décadas de camadas tecnológicas, cada uma baseada nas limitações da sua época, com uma interligação que mantém todos presos ao nível tecnológico mais baixo.
É um desafio existencial para o sector. As grandes instituições querem modernizar infraestruturas, mas o setor é “democrático” e as pequenas não conseguem acompanhar. Por isso, a questão não é “se vai acontecer”, mas “como vai evoluir”.
O caminho será de compromisso, passo a passo, forçado pela concorrência e pelos reguladores.
A nível interno, focamo-nos nos projetos que nos permitem experimentar formas novas e criar oportunidades que antes não existiam.
Anthony: De facto, o setor financeiro tem enorme inércia, precisamente por ser tão interligado.
Participante: Obrigado pela partilha e pelo vosso papel desde 2013 em dar legitimidade ao setor. Quando estava no MIT, muitos achavam-me louco por estudar cripto. Só quando a Fidelity foi ao nosso seminário é que perceberam “ok, isto é a sério”.
A minha pergunta é sobre o Bitcoin. Assististe ao surgimento de várias classes de ativos e ajudaste a desenvolver muitos produtos financeiros. Que papel terá o Bitcoin daqui para a frente? Não falo do preço, mas do seu papel no vosso portefólio de ativos.
Abby: Não sei se é por ter entrado cedo, ou por estar a ficar mais “old school”, mas gosto mesmo do Bitcoin. Não tenho muitos criptoativos, mas o Bitcoin é o que mantenho sempre.
Acho que o Bitcoin continuará a ser importante no património de muitas pessoas. É o “padrão-ouro” do cripto — existe há muito, é estável, sobreviveu a muitos ciclos e é um sistema resiliente.
A longo prazo, sinto-me muito confortável com o Bitcoin. Será sempre um ativo central na nossa oferta. Espero que possamos facilitar o seu acesso e uso. Apesar do design brilhante do Bitcoin, se tivesse havido mais contributo de user experience, talvez mais gente tivesse aderido mais cedo e facilmente.
Participante: O meu primeiro ordenado de estágio foi na IDEO CoLab, por isso isto é especial para mim. Obrigado. Como CEO, tens de equilibrar apostas arriscadas com a gestão quotidiana. Como é que, perante resistência interna, manténs a convicção num novo rumo?
Abby: Ótima pergunta. Como referi, promovemos a rotação e mistura de equipas para garantir várias perspetivas e crenças. Isso gera naturalmente muitos debates internos, o que considero saudável.
Claro que há uma linha ténue entre debate saudável e “guerras religiosas”. O cripto já motivou reações primitivas e emocionais, quase como guerras religiosas. Vimos líderes financeiros tradicionais oporem-se de forma imatura, mas ruidosa, ao cripto.
Nesses períodos, achei que era preciso paciência e resiliência. O ruído passa, e muita da oposição resulta de não compreenderem, mas verem a tendência a ganhar força, o que os frustra. O objetivo é evitar escalar conflitos e ajudar as equipas a adaptar-se gradualmente.
Incluindo as nossas experiências com Bitcoin e outros projetos cripto.
Estruturalmente, temos o nosso laboratório de I&D — fundado pelo meu pai há décadas — e mais tarde implementei uma incubadora interna, criando um “espaço seguro” para experimentar, falhar, até para falhar de propósito.
Costumo dizer à equipa: se todos os projetos do laboratório forem bem-sucedidos, é porque não corremos riscos suficientes; precisamos de falhar rápido em alguns, senão não estamos a arriscar o suficiente.
Quando estas estruturas se tornam institucionais, dão “permissão” às pessoas para fazer o que nem todos aprovam — e é aí que está o segredo da inovação.
Anthony: Muito interessante, é como no capital de risco. Se todos os investimentos resultarem, é porque não arriscámos o suficiente. Excelente abordagem. Mais perguntas?
Participante: Se no futuro ativos digitais e tradicionais se fundirem, qual é a tua visão para essa “zona de interseção”? O que é que as finanças tradicionais vão trazer para os ativos digitais? E o que vão aprender com eles?
Abby: Em resumo, ambos aprendem.
O que mais me entusiasma é o que vamos criar de novo, não simplesmente “refazer o que já fazemos mudando a tecnologia de base”.
Mas não é simples. Se partirmos do princípio de que o setor vive uma deflação estrutural de longo prazo, todas as tecnologias vão acabar por ter de mudar.
Há alguns anos começámos a migrar os negócios para a cloud. Levou anos a encontrar formas fiáveis e seguras. Felizmente, começámos por áreas de menor risco e aprendemos muito.
Foi uma grande mudança estrutural e ainda decorre.
Portanto, pode perguntar-se: surgirá uma capacidade que permita à blockchain substituir a gigantesca e complexa “rede de reconciliação” do sistema financeiro?
Sim, essa tendência é visível. A questão é: qual o percurso de migração? E a velocidade? Só podemos ir observando e sentindo o seu rumo.
O que fazemos agora é construir tecnologias com maior probabilidade de adoção a curto prazo, mantendo uma visão de longo prazo.
Surpreende-me estarmos mais perto do “estágio de ponte” — pontos claros de ligação entre o novo e o antigo.
Por exemplo, stablecoins e fundos de mercado monetário tokenizados. Precisas de stablecoins para aceder ao DeFi, mas para ganhar juros, precisas de um produto digital do mundo tradicional.
Gostava de dar uma resposta mais “científica”, mas é uma questão complexa. Todos temos de pensar e atuar em simultâneo. De certa forma, somos causa e consequência.
Participante: Referiste duas vezes a “deflação estrutural de longo prazo”, que entendo como a tecnologia a baixar custos em tudo. Mas de fora, parece que diferentes instituições financeiras reagem de forma muito distinta à inovação. O que determina se uma instituição adota ou não uma tecnologia como o cripto?
Abby: Excelente pergunta. A resposta resulta da combinação de dois fatores: o horizonte temporal e a disposição para assumir algum risco.
Não risco regulatório, mas o chamado risco reputacional.
Nos “anos mais polémicos”, discutimos muitas vezes na Fidelity: “Que risco reputacional corremos ao entrar nisto?” Mesmo que a nossa atividade fosse mínima.
Por exemplo, quando aceitámos doações em Bitcoin no fundo de caridade, eram sobretudo de pessoas que tinham enriquecido com Bitcoin. Para mim, parecia um pouco louco; para muitos, era “intocável”.
Por isso, depende muito do fator humano. Vocês aqui são criativos e abertos ao risco, mas nas grandes empresas, sobretudo em finanças, esse perfil não é o “solo natural”.
Claro, há investidores — gestores de portefólios, hedge funds — que gostam de risco, mas sempre dentro de um quadro definido. E garanto que raramente pensam nos detalhes técnicos das infraestruturas que lhes permitem operar.
Acho que é isso que distingue a Fidelity: damos enorme importância à compreensão das tecnologias que sustentam o nosso negócio.
Aprendemos que quanto mais tecnologia desenvolvemos, ajustamos ou adaptamos às nossas necessidades, maior é a vantagem competitiva — especialmente sustentável. Assim, conseguimos manter a tecnologia atualizada e fazer as alterações que queremos.
E isto não é a mentalidade habitual na banca tradicional.
Anthony: Muito bem, Abby, esta conversa foi brilhante. Obrigado por vires conversar connosco, foi mesmo interessante.
Abby: Obrigada pelo convite e a todos vocês.