Toda grande revolução tecnológica começa com grupos especializados ou de uso restrito, evoluindo depois para sistemas de uso geral e multiusuário.
No início, computadores realizavam apenas uma tarefa por vez—como decifração de códigos, processamento de censos ou cálculos balísticos. Só mais tarde se tornaram máquinas programáveis e compartilhadas.
A internet surgiu como uma rede de pesquisa peer-to-peer (ARPANET), expandindo até se tornar uma plataforma global onde milhões colaboram em um mesmo ambiente compartilhado.
A inteligência artificial seguiu esse padrão: começou com modelos especialistas focados em tarefas específicas (motores de xadrez, sistemas de recomendação, filtros de spam) e evoluiu para modelos de uso geral, capazes de atuar em diversos domínios, serem ajustados para novas funções e servir como base compartilhada para aplicações inovadoras.
Em tecnologia, o ciclo se repete: começa em modo restrito ou de usuário único, focado em um objetivo ou pessoa, e só depois amplia para uso coletivo.
É nesse estágio que a tecnologia de privacidade se encontra hoje. Soluções de privacidade em cripto nunca superaram de fato o paradigma “restrito” e “de usuário único”.
Até agora.
Para compreender como chegamos até aqui—e por que o estado compartilhado criptografado é tão importante—é preciso revisitar as origens da tecnologia de privacidade.
Foi aqui que começou a primeira onda de privacidade em cripto.
Mixers, pools de liquidez privados e moedas de privacidade deram aos usuários privacidade nas transações. Algumas dessas soluções enfrentaram questões legais, levantando debates sobre se—e como—ferramentas de privacidade deveriam lidar com atividades ilícitas.
Privacy 1.0 introduziu o modelo de privacidade individual. Era possível coordenar, mas colaboração dinâmica—como ocorre em blockchains programáveis—ficava fora de alcance, limitando a expressividade da privacidade.
Principais características do Privacy 1.0:
A privacidade cripto surgiu primeiro no Bitcoin, bem antes de técnicas avançadas como provas de conhecimento zero entrarem em cena. No início, a privacidade no Bitcoin não era “criptográfica”, mas sim estratégias inteligentes de coordenação para dificultar associações determinísticas nos registros públicos.
O exemplo mais antigo foi CoinJoin em 2013, que misturava entradas e saídas de transações para dificultar o rastreamento de pagamentos. Usava pouca criptografia, mas introduziu privacidade na transação.
Soluções posteriores como CoinShuffle (2014), JoinMarket (2015), TumbleBit (2016), Wasabi (2018) e Whirlpool (2018) adotaram processos de mistura para tornar o Bitcoin menos rastreável. Algumas adicionaram incentivos, outras camadas de criptografia ou melhorias na experiência do usuário.
Nenhuma dessas soluções oferecia privacidade criptográfica robusta. Elas embaralhavam associações, mas não garantiam anonimato matemático ou privacidade sem confiança, como os sistemas de prova de conhecimento zero que vieram depois. Em vez disso, dependiam de coordenação, heurísticas e aleatoriedade—não de provas formais de anonimato.
Monero, lançado em 2014, foi a primeira tentativa séria de criar um blockchain totalmente privado para transações confidenciais, não apenas como ferramenta adicional para blockchains transparentes. O modelo do Monero utiliza privacidade probabilística via assinaturas em anel, misturando entradas reais com 16 assinaturas falsas em cada transação. Na prática, ataques estatísticos como decodificadores MAP ou ataques de rede podem reduzir a anonimidade. Atualizações futuras, como FCMP, pretendem expandir o anonimato para toda a rede.
Zcash, lançado em 2016, seguiu um caminho diferente. Não depende de privacidade probabilística, sendo projetado desde o início como token de prova de conhecimento zero. O Zcash introduziu um pool de privacidade com zk-SNARK, garantindo privacidade criptográfica em vez de se esconder entre assinaturas falsas. Quando usado corretamente, transações Zcash não revelam remetente, destinatário ou valor, e o anonimato aumenta a cada operação no pool de privacidade.
Tornado Cash (2019)
Lançado em 2019, o Tornado Cash trouxe privacidade programável para o Ethereum. Apesar de limitado a transferências privadas, permitia que usuários depositassem ativos em mixers de contratos inteligentes e sacassem usando provas de conhecimento zero, garantindo privacidade real em uma blockchain transparente. O Tornado foi amplamente utilizado de forma legal, mas após envolvimento em lavagem de dinheiro pela Coreia do Norte, enfrentou sérios problemas jurídicos. Isso evidenciou a necessidade de excluir agentes ilícitos para preservar a integridade dos pools—medida hoje comum em aplicações modernas de privacidade.
Railgun (2021)
Railgun chegou em 2021, buscando superar o modelo de mistura simples ao permitir interações privadas com DeFi no Ethereum. Além de misturar depósitos e saques, permite que usuários interajam privadamente com contratos inteligentes usando provas de conhecimento zero, ocultando saldos, transferências e ações on-chain, mas mantendo liquidação no Ethereum. Isso foi um avanço em relação ao Tornado, pois oferece estado privado contínuo dentro dos contratos, não apenas um ciclo de mistura e saque. O Railgun segue ativo e já foi adotado em nichos de DeFi, sendo um dos projetos mais ambiciosos de privacidade programável no Ethereum, embora a experiência do usuário ainda seja um desafio.
Antes de avançar, é fundamental esclarecer um equívoco comum: com a popularização das provas de conhecimento zero, muitos acreditam que qualquer solução “zero-knowledge” implica privacidade. Isso não é verdade. A maioria das tecnologias “zero-knowledge” são provas de validade, úteis para escalabilidade e verificação, mas não oferecem privacidade.
Essa confusão entre marketing e realidade gerou anos de mal-entendidos, com “zero-knowledge para privacidade” e “zero-knowledge para verificação” sendo confundidos, apesar de resolverem problemas distintos.
Privacy 2.0 representa privacidade multiusuário. Agora, usuários podem colaborar privadamente, assim como em blockchains programáveis.
Principais características do Privacy 2.0:
Isso é possível graças a computadores criptografados, permitindo colaboração de múltiplas partes sobre estados criptografados. Computação multipartidária e criptografia homomórfica total são as bases dessa tecnologia, viabilizando cálculos sobre dados protegidos.
O modelo de estado compartilhado que impulsiona Ethereum e Solana pode agora operar sob condições de privacidade. Não se trata de transações privadas pontuais ou de ferramentas para provas privadas—é um computador criptografado de uso geral.
Isso abre um novo espaço para inovação em cripto. Para entender, basta observar a evolução dos estados no universo cripto:
O estado compartilhado criptografado sempre faltou.
Privacy 2.0 preenche essa lacuna, impulsionando novas economias, aplicações e inovação inédita. É, na minha visão, o maior avanço em cripto desde smart contracts e oráculos.
Arcium está desenvolvendo essa tecnologia.
A arquitetura da Arcium se assemelha a redes de provas como Succinct ou Boundless, mas, em vez de usar provas de conhecimento zero para verificação, emprega computação multipartidária para processar dados criptografados.
Diferente de SP1 ou RISC Zero, que compilam Rust em programas de prova de conhecimento zero, o Arcis da Arcium compila Rust em programas de computação multipartidária. Em resumo, trata-se de um computador criptografado.
Em outras palavras: “Chainlink para privacidade.”
Arcium é agnóstica em relação a blockchains, conectando-se a qualquer rede existente e viabilizando estado compartilhado criptografado em blockchains transparentes como Ethereum e Solana. Usuários podem garantir privacidade sem sair de seus ecossistemas. O lançamento inicial será na Solana, com a versão Alpha do mainnet chegando este mês.
Zcash e Monero incorporam privacidade em suas próprias moedas, mas isso cria um universo monetário separado e volátil. Arcium adota uma abordagem agnóstica a ativos, agregando privacidade aos ativos já existentes dos usuários. Os trade-offs são diferentes, mas a flexibilidade é vantajosa.
Com essa abordagem, quase qualquer caso de uso de privacidade pode rodar em computação criptografada.
O impacto da Arcium vai além do universo cripto. Não é uma blockchain—é um computador criptografado, com potencial de aplicação em setores tradicionais.
O estado compartilhado criptografado cria um espaço inédito para inovação em cripto. Por isso, surgiram as seguintes aplicações:
@ UmbraPrivacy: pool de privacidade na Solana. Umbra usa Arcium para oferecer recursos que Railgun não possui—saldos confidenciais e trocas privadas, com transferências via provas de conhecimento zero. Oferece mais do que transferências privadas sob mínima confiança, e disponibiliza um SDK de privacidade unificado para integração em qualquer projeto de transações Solana.
@ PythiaMarkets: mercados de oportunidades com janelas privadas para patrocinadores. Essa nova categoria permite que scouts apostem em oportunidades pouco exploradas, enquanto patrocinadores acessam informações sem divulgar dados privilegiados.
@ MeleeMarkets: mercados de previsão com curvas de bonding. Semelhante ao Pumpfun, mas voltado para mercados de previsão. Quem entra primeiro tem melhores preços. Mercados de opinião estão em desenvolvimento, permitindo expressar opiniões genuínas, manter probabilidades privadas e realizar adjudicação confidencial—resolvendo problemas de pensamento de grupo e manipulação de oráculos. Arcium viabilizará a privacidade necessária para esses mercados e adjudicação confidencial.
Dark pools: projetos como @ EllisiumLabs, @ deepmatch_enc e o demo de dark pool da Arcium utilizam estado compartilhado criptografado para negociações privadas, evitando front-running e desaparecimento de ofertas, garantindo melhores preços.
Gaming on-chain: Arcium habilita estados ocultos e números aleatórios CSPRNG dentro do estado compartilhado criptografado, restaurando sigilo e aleatoriedade justa. Jogos de estratégia, cartas, fog-of-war, RPGs e jogos de blefe já funcionam on-chain. Diversos jogos já estão ativos na Arcium.
Perpétuos privados, empréstimos privados, leilões cegos, previsões criptografadas de machine learning e treinamento colaborativo de IA também são casos de uso promissores.
Além desses exemplos, quase qualquer produto orientado à privacidade pode ser criado. Arcium oferece aos desenvolvedores total customização com um motor de execução criptografado de uso geral, e Umbra disponibiliza SDK para transferências e trocas Solana. Juntos, tornam a privacidade fácil, tanto para sistemas complexos quanto para integrações simples.
Arcium está desenvolvendo o C-SPL, padrão de token confidencial para Solana. Ele resolve os problemas do padrão Privacy 1.0: integração difícil, funcionalidade limitada e incompatibilidade com programas on-chain. O C-SPL elimina barreiras, facilitando a adoção de tokens de privacidade.
Tokens de privacidade agora podem ser integrados facilmente a qualquer aplicação, sem complicações para o usuário.
Combinando SPL Token, Token-2022, extensões de transferência privada e computação criptografada da Arcium, o C-SPL oferece um padrão prático e totalmente composable para tokens confidenciais na Solana.
Estamos nos primeiros passos dessa evolução, e o setor é mais amplo do que qualquer solução única. Zcash e Monero continuam enfrentando desafios relevantes, e as ferramentas pioneiras de privacidade mostraram o potencial do setor. O estado compartilhado criptografado permite operações privadas multiusuário sem sair dos ecossistemas já existentes, resolvendo questões diferentes das anteriores. Ele preenche uma lacuna—não substitui o passado.
A privacidade deixa de ser recurso opcional e especializado para se tornar elemento central no desenvolvimento de aplicações. Não exige novas moedas, novas redes ou sistemas econômicos—apenas amplia as possibilidades para desenvolvedores. A era anterior consolidou o estado público compartilhado; a próxima era adiciona o estado compartilhado criptografado como camada essencial.





