Já reparou que mais pessoas à sua volta têm falado sobre “ouro” recentemente?
Exatamente—refiro-me ao ouro físico e tangível. Com o aumento dos riscos geopolíticos e das incertezas macroeconómicas globais, a capitalização total do mercado do ouro atingiu, por vezes, os 30 biliões de dólares, consolidando o seu estatuto como o principal ativo do mundo.
Ao mesmo tempo, verifica-se uma mudança relevante no setor cripto. Para lá do Bitcoin, amplamente reconhecido como “ouro digital”, o ouro físico está a migrar rapidamente para a blockchain: o ouro tokenizado, liderado pelo Tether Gold (XAUT), está a ganhar novas funcionalidades através da onda RWA, incluindo divisibilidade, programabilidade e até geração de rendimento.
Esta tendência desafia a narrativa tradicionalmente dominada pelo Bitcoin: “Quem é o verdadeiro ouro digital?”
O BTC é moeda ou ativo? Serve principalmente para pagamentos ou como reserva de valor? Ou é um ativo de risco semelhante às ações tecnológicas?
Desde o lançamento do Bitcoin em 2009, esta dúvida permanece em todas as fases da sua história.
Embora Satoshi Nakamoto tenha definido o BTC como “Electronic Cash” no white paper original, a narrativa evoluiu repetidamente na última década à medida que o seu alcance cresceu—de método de pagamento inicial para “reserva de valor” e “ativo alternativo”, gerando debates contínuos na comunidade.
Importa referir que a aprovação dos ETFs spot em 2024 foi um ponto de viragem para esta narrativa. Cada vez menos pessoas esperam que o Bitcoin se torne uma “moeda global” para transações e pagamentos; pelo contrário, mais pessoas encaram o Bitcoin como uma reserva de valor baseada no consenso—ou seja, “ouro digital”:
Tal como o ouro, o Bitcoin é escasso e a sua produção é previsível e estável, mas oferece vantagens que o ouro não consegue igualar: divisibilidade superior (1 satoshi = 0,00000001 BTC), portabilidade (transferências instantâneas internacionais) e liquidez (mercados abertos 24/7).
Por isso, o Bitcoin está a consolidar-se como o terceiro pilar da lógica global de reserva de valor no sistema monetário, a par do dólar dos EUA e do ouro.

Fonte: companiesmarketcap.com
De acordo com a companiesmarketcap, o ouro lidera todos os ativos globais com larga vantagem, com um valor de mercado total de 28,4 biliões de dólares—superando de longe o valor combinado dos nove ativos seguintes (26 biliões de dólares).
Mesmo que o BTC ultrapasse os 100 000 dólares, a sua capitalização total de mercado é de apenas 2 biliões de dólares, cerca de 1/15 do valor do ouro. Este é o principal motivo para a persistente narrativa de “ouro digital” na comunidade BTC: aspirar ao maior e mais antigo ativo de reserva de valor das finanças tradicionais.
Curiosamente, enquanto o BTC procura afirmar-se como “ouro digital”, o próprio ouro está a ser “digitalizado”.
O maior catalisador tem sido o ouro físico atingir máximos históricos e a onda RWA deste ano, impulsionando o crescimento acelerado do ouro tokenizado representado pelo Tether Gold (XAUT) e PAX Gold (PAXG).
Como estes tokens são garantidos por ouro físico—cada token emitido corresponde a uma quantidade equivalente de reservas de ouro—estes produtos de “ouro digital” representam uma nova classe financeira tanto para o universo cripto como para o setor financeiro tradicional.
Descrever o ouro tokenizado como “emergente” pode não ser totalmente exato.
Na verdade, nem o XAUT—o maior em volume—nem o PAXG, que lhe segue de perto, são produtos recentes em destaque. O que mudou foi que a atual onda RWA e as condições macroeconómicas aumentaram a sua relevância estratégica e o interesse do mercado.
Por exemplo, o XAUT remonta ao final de 2019, quando Paolo Ardoino, CTO da Bitfinex e da Tether, revelou planos para uma stablecoin garantida por ouro, o Tether Gold. O white paper do XAUT foi publicado a 28 de janeiro de 2022.
No white paper, é declarado que cada token XAUT representa a propriedade de uma onça de ouro físico. A Tether garante reservas equivalentes de ouro físico para cada token emitido, com todo o ouro armazenado em cofres suíços de máxima segurança.
À data deste artigo, o XAUT já superou os 1,55 mil milhões de dólares em emissão, representando cerca de 966 barras de ouro em reserva (totalizando 11 693,4 kg).

Fonte: Tether
O white paper do Tether Gold destaca claramente as suas vantagens:
Ou seja, a tokenização confere ao ouro real atributos digitais semelhantes aos do BTC, permitindo a sua integração total no universo digital como unidade de ativo transferível, composável e computável. Este avanço transforma o XAUT e outros produtos de ouro tokenizado de simples “certificados de ouro on-chain” em ativos com enorme potencial na blockchain.
Esta tendência leva também o mercado a questionar: Se ouro e BTC são ambos ativos on-chain, serão concorrentes ou complementares?
Em síntese, se a narrativa central do BTC é o “consenso de escassez digital”, o ouro tokenizado (XAUT/PAXG) destaca-se por “transportar o consenso de escassez para o mundo digital”.
Esta diferença é subtil, mas fundamental: o BTC constrói confiança do zero, enquanto o ouro tokenizado digitaliza estruturas de confiança tradicionais. Como CZ referiu recentemente no Twitter:
“O ouro tokenizado não é verdadeiramente ouro on-chain, mas depende da confiança na capacidade do emissor para cumprir os compromissos. Mesmo em cenários extremos, como mudanças de gestão ou guerra, os utilizadores dependem da continuidade deste sistema de confiança.”

Esta afirmação evidencia a diferença fundamental entre ouro tokenizado e Bitcoin: a confiança no Bitcoin resulta do consenso algorítmico, sem emissor ou custodiante, enquanto o ouro tokenizado depende de instituições—os utilizadores têm de confiar que a Tether ou a Paxos cumprem rigorosamente os compromissos de reserva.
Ou seja, o Bitcoin é um produto de “trustlessness”, enquanto o ouro tokenizado é uma extensão da “reconfiança”.
Em termos de valor de ativo, o ouro é tradicionalmente valorizado como proteção e reserva, mas na blockchain, o ouro tokenizado ganha programabilidade pela primeira vez:
Na prática, o ouro está a evoluir de reserva de valor estática para unidade financeira dinâmica. A tokenização confere ao ouro atributos digitais semelhantes ao Bitcoin—verificável, líquido, composável e computável—deixando de ser apenas um símbolo de valor guardado em cofres, passando a ser um “ativo ativo” na blockchain, capaz de gerar rendimento e crédito.
Com a liquidez a diminuir e os ativos alternativos a perderem força, a ascensão da onda RWA está a devolver destaque a ativos tradicionais como ouro, obrigações e ações no universo cripto. A popularidade do ouro tokenizado mostra que o mercado procura um âncora de valor on-chain mais sólida e fiável.
Neste contexto, o desenvolvimento acelerado do ouro tokenizado impulsionado pela onda RWA não pretende (nem pode) substituir o BTC, mas sim complementar perfeitamente a narrativa do BTC como “ouro digital”—criando uma nova classe financeira que junta a liquidez eficiente dos ativos digitais à segurança do ouro tradicional.





